O CAVALO PERDIDO e outras histórias
Felisberto Hernández
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pequeno trecho
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"Atravessado sobre as teclas, como um trilho sobre dormentes, havia um longo lápis vermelho. Eu não o perdia de vista, pois queria que me comprassem outro igual. Quando Celina o pegava para anotar no livro de música os números que correspondiam aos dedos, o lápis estava desejando que o deixassem escrever. Como Celina não soltava, ele se mexia ansioso entre os dedos que o sujeitavam, e com seu olho único e pontiagudo olhava indeciso e oscilante de um lado para o outro. Quando o deixavam aproximar-se do papel, a ponta parecia um focinho que farejava algo, com instinto de lápis, desconhecido para nós, e observava entre as pernas das notas, buscando um lugar branco onde morder. Por fim Celina o soltava e ele, com movimentos rápidos, como um leitãozinho quando mama, se dependurava vorazmente no branco do papel, ia deixando as pequenas pegadas firmes e acentuadas de seu curto casco negro e mexia alegremente o longo rabo vermelho."